Traços entrelaçados. Assim nos parece uma maneira preliminar e
particular para descrever, sem julgamentos de valor, os conteúdos artísticos
que se apresentam nos desenhos de Gustavo Badolati Racca. Seus impulsos, conscientes ou
inconscientes, para tingir o campo neutro materializam signos e significados em
unidades de expressão muito próximas da semiótica de Greimas. Unidades
categorizadas pelos tons e saturação – categorias
cromáticas – e pelos contornos, texturas, direções – categorias eidéticas. Os desenhos constroem, desconstroem e
reconstroem geometrias capazes de inscrever percepções próprias da psicologia
cognitiva, cujo espaço visual induz o observador à formação de imagens
imbricadas de sonhos e/ou alucinações, ou pulsões fundamentadas na contramão da
culpa. Lembra-nos, aqui, o que é contrário ao senso comum em relação à
consciência moral, para a qual Freud compreendia como aquela que nasce da
renúncia e não a renúncia às pulsões que advém dela. Se for preciso desafiar as
leis, ou a desobediência a sua origem edipiana, é imperativo correlacioná-las
ao desejo como propôs Kant. Contudo, a lei é o desejo recalcado como sentenciava
Lacan ao perseguir meandros do pensamento kantiano. Mas, se a psicanálise exige
debates mais aguçados sobre aspectos comportamentais humanos, interessa-nos
neste momento lembrar das transgressões da arte e dos artistas ao construírem
estéticas próprias da expressão impulsionadas pela experiência, pelo
inconsciente e pelas representações. Os ensaios de Racca transpõem a simples anatomia
e a verossimilhança das formas visíveis para a especulação e a experimentação criativa. Sobre isso, John Dewey (2010), em Arte como experiência, sublinha que:
Toda experiência, seja ela de importância ínfima
ou enorme, começa com uma impulsão, e não como
uma impulsão. Digo ‘impulsão’ em vez de ‘impulso’. Um impulso é especializado e
particular; mesmo quando instintivo, é simplesmente parte do mecanismo
envolvido em uma adaptação mais completa ao meio. ‘Impulsão’ designa um
movimento de todo o organismo para fora e para adiante, e dela alguns impulsos
especiais são auxiliares. É a ânsia de alimento da criatura viva em contraste
com as reações da língua e dos lábios que estão envolvidos no deglutir; é o
voltar-se do corpo como um todo para a luz, como heliotropismo das plantas, em
contraste com o acompanhar uma luz particular com os olhos. (DEWEY, 2010: 143).
2 comments:
Como sempre, perfeito.
O Humberto risca com a caneta virtual traços e entrelaça palavras e conceitos que confundem de perto (palavra a palavra), mas fazem sentido de longe. Acho que ele conseguiu escrever nesses traçados - palavras, algo que (re) define os traçados riscos dos Gustavo, que se traça Racca.
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